Uma semana após o perfil de entretenimento e ativismo político Choquei, que possui mais de 27 milhões de seguidores nas redes sociais, ter confessado por nota oficial a publicação de fake news que culminou no suicídio de uma jovem de 22 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não se manifestou sobre eventual inclusão dos responsáveis pelo perfil no inquérito 4.781, conhecido como "inquérito das fake news", que é conduzido pela Corte.
O dono do perfil é próximo da primeira-dama, Janja da Silva, e usou sua influência nas redes sociais para apoiar a candidatura de Lula no ano passado. Janja chegou a enviar informações privilegiadas ao perfil durante o período eleitoral.
A Gazeta do Povo contatou o STF na sexta-feira (29), um dia após a Choquei admitir a disseminação de fake news e questionou se a Corte incluiria os responsáveis pelo perfil no inquérito 4.781 ou em outro inquérito que trate do tema. Diante da ausência de respostas, a reportagem cobrou retorno do órgão nos dias seguintes. Até o momento não houve manifestação da Corte.
Diferentemente do ocorrido no episódio envolvendo o perfil de entretenimento, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito 4.781, já incluiu de ofício uma série de críticos da Corte sob a alegação de serem autores de fake news. O inquérito, que se aproxima de completar cinco anos, coleciona prisões e uma série de medidas cautelares, em especial o bloqueio de redes sociais – incluindo perfis de parlamentares com mandato ativo. Quase a totalidade dos investigados no inquérito são críticos do Supremo e alinhados à direita política.
Agora, frente ao escândalo do envolvimento da Choquei e uma série de páginas de fofoca ligadas à agência Mynd8 na disseminação de fake news que culminaram na morte de uma jovem, a Corte se mantém em silêncio. A maioria dos membros do STF estão atualmente em recesso, mas há ministros de plantão. Além disso, segundo a assessoria da Corte, Moraes decidiu manter os trabalhos durante o recesso e mantém as atividades em seu gabinete.
Na avaliação de André Marsiglia, advogado constitucionalista especializado em liberdades de expressão e de imprensa e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP, o STF não tende a dar encaminhamento a uma eventual inclusão dos responsáveis pela Choquei em inquéritos conduzidos pela Corte. Isso porque, segundo o jurista, o Supremo parece acreditar que o maior risco institucional venha da existência de uma oposição política no país. “O Choquei não parece se enquadrar nesse perfil que eles classificam como uma ameaça”, diz.
Em nota oficial, a Choquei confessou, na última quinta-feira (28), que compartilhou a notícia falsa que teria levado Jéssica Vitória Canedo, de 22 anos, a cometer suicídio. O perfil admitiu ter replicado um conteúdo falso sobre supostas conversas que indicavam envolvimento entre a jovem e o humorista Whindersson Nunes.
Poucos minutos após a postagem do comunicado na rede social X, a "nota oficial" foi marcada por usuários como fake news, por afirmar que o conteúdo sobre Jéssica foi retirado do ar assim que a "falsidade foi descoberta". "É mentira que a página Choquei tenha retirado imediatamente o post ao saber que era mentira. A página manteve o post no ar por dias, mesmo com uma Nota da Comunidade alertando sobre a fake news", diz a checagem.
No sábado (23), o perfil havia divulgado uma primeira nota sobre o caso em seu perfil do Instagram, assinada pela advogada Adélia Prado. Na ocasião, a página afirmou que não houve “qualquer irregularidade na divulgação das informações prestadas”. Entretanto, no mesmo dia, a advogada deixou o caso e disse que não representaria a Choquei judicialmente.
Depois de ter o nome vinculado ao comediante, Jéssica usou suas redes sociais para denunciar os ataques que vinha sofrendo. “Vocês estão falando da minha aparência, da minha classe social, xingando minha família, ameaçando, me chamando de interesseira, me comparando com as ex’s dele… Vocês não sabem como está o psicológico de quem está recebendo os xingamentos e as ameaças”, disse a jovem no Instagram.
O responsável pela Choquei, Raphael Sousa, chegou a comentar na publicação feita por Jéssica e fez piada sobre o desabafo postado pela jovem. “Avisa para ela que a redação do Enem já passou. Pelo amor de Deus!”, disse Sousa. As postagens sobre o caso foram apagadas. A mãe de Jéssica chegou a fazer um apelo para que os ataques à filha cessassem e afirmou que a jovem sofria de depressão.
Sousa é próximo à primeira-dama Rosângela Silva, a Janja. Após o resultado das eleições no ano passado, ele recebeu convite dela para subir no carro de som oficial da equipe de Lula e acompanhar o discurso da vitória do petista. Janja, que desde o período eleitoral costuma manter um trabalho de aproximação com influenciadores de esquerda para viabilizar apoio ao governo, chegou a enviar conteúdos exclusivos para a Choquei durante a disputa eleitoral.
Com a divulgação nas redes sociais de notícias com um claro viés editorial pró-Lula, Raphael Sousa contribuiu muito para a campanha petista. No período eleitoral, a conta sempre esteve entre aquelas com maior repercussão em temas eleitorais.
Em entrevista ao Flow Podcast no ano passado, o dono da página reconheceu que sua atuação ajudou a eleger o atual presidente e afirmou que todos os colaboradores da empresa eram pró-Lula, mas que o trabalho de apoio ao petista tinha a ver com o fato de o influenciador ser contrário a Bolsonaro.
Apesar disso, o proprietário do perfil se aproximou mais do presidente após o início do novo mandato e mantém na internet a cruzada de defesa do governo a qualquer custo, o que inclui a disseminação de fake news pró-Lula, como mostrado pela Gazeta do Povo.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que era ministra dos Direitos Humanos na gestão Bolsonaro, declarou nesta quarta-feira (5) que já foi alvo de diversas fake news vindas da Choquei e de outros perfis ligados à agência Mynd8.
Em uma delas, que alcançou mais de 2 milhões de seguidores, a Choquei afirmou falsamente que quando era ministra, Damares pediu que Bolsonaro vetasse a entrega de leitos de UTI e de água potável a indígenas.
“As verdades sobre esses blogs espalhadores de mentiras e histórias mal contadas finalmente vêm à tona. Sofri muito com esses ataques coordenados nos últimos anos. Será que a resposta das instituições que supostamente combatem ‘fake news’ será a mesma?”, questionou a senadora.