17/12/2022 às 22h59min - Atualizada em 18/12/2022 às 00h00min

Morre a escritora Nélida Piñon, aos 85 anos

Nélida foi a primeira mulher a presidir uma academia de letras no mundo.

G1 Brasil
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/12/17/morre-a-escritora-nelida-pinon-aos-85-anos.ghtml
Nélida foi a primeira mulher a presidir uma academia de letras no mundo. Morre a escritora Nélida Piñon, aos 85 anos
Morreu neste sábado (17), aos 85 anos, um dos maiores nomes da literatura brasileira. A escritora Nélida Piñon. Ela tinha sido operada em Portugal.
Nélida Piñon estava internada em um hospital de Lisboa. A escritora passou mal por causa de problemas nas vias biliares e foi operada de emergência, há cerca de dez dias. Ela teve um pós-operatório complicado, e precisou ficar na UTI, mas chegou a apresentar melhoras nos últimos dias.

Segundo a Academia Brasileira de Letras, como ela morreu em Portugal, é preciso seguir uma série de procedimentos burocráticos para a liberação do corpo e o traslado para o Brasil.
O sepultamento vai ser no mausoléu da ABL. A causa da morte ainda não foi confirmada.
FOTOS: Nélida Piñon foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras
Nélida Piñon: leia discurso de posse da escritora na presidência da ABL, em 1996
Biblioteca no Rio guarda acervo de Nélida Piñon
Nélida Piñon foi a primeira mulher a presidir uma academia de letras no mundo.
A carioca Nélida Piñon era neta de imigrantes espanhóis e mantinha um vínculo de amor e gratidão com os seus antepassados. Nada marcou mais a sua infância que os dois anos em que morou com os pais e avós maternos na Galícia. Tempo que guardava como um dos mais felizes da vida, sempre cercada de livros e de imaginação.
“A imaginação, ela está à frente do barco, ela que vai à frente. Porque você pensa que a imaginação é um bem dadivoso que lhe vem sem grande esforço. Eu acho o contrário. A imaginação precisa de fubá, precisa de carne, de comer, de pão. Imaginação não se sustenta sem um pão de cada dia”, disse a escritora.
Nélida Piñon gostava de dizer que era uma menina de duas culturas e falava que a adolescência acentuou nela o gosto pela arte, a paixão pelo balé, a ópera, a música clássica e a literatura.
Formada em Jornalismo pela PUC do Rio, trabalhou como editora na revista Cadernos Brasileiros e em várias outras publicações. Contava que quis ser jornalista como consequência, por desejar ser escritora.
A estreia na literatura foi com o romance “Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo”, publicado em 1961, que falava sobre o pecado e a relação com Deus. A obra foi duramente criticada. Mas Nélida dizia que, mesmo assim, nunca desistiu do sonho, nem fez disso matéria de ressentimento. E seguiu em frente criando e escrevendo obras que viraram referência.
Em 1972, publicou “A Casa da Paixão”, romance em que aborda temas como o desejo e o sexo. Também escreveu livros de contos e a obra autobiográfica “A República dos Sonhos”, em que narra a saga de uma família galega que vem morar no Brasil.
Assim como o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa, Nélida Piñon participou do chamado boom latinoamericano, quando jovens escritores do continente tiveram seus livros publicados na Europa e no resto do mundo.
Nélida Piñon teve obras traduzidas em mais de 30 idiomas.
Ao longo da vida, Nélida Piñon sempre fez questão de se posicionar em assuntos da vida política do Brasil. Em 1976, ao lado de outros três escritores, liderou a elaboração do chamado manifesto dos intelectuais, um abaixo-assinado contra a censura durante a ditadura militar.
Junto com Nélida Piñon foram a Brasília entregar o manifesto a escritora Lygia Fagundes Telles, o historiador Helio Silva e o escritor Jefferson Ribeiro de Andrade.
Em entrevista à Miriam Leitão, ela explicou por que foi escolhida para entregar o documento à ditadura militar. “Disseram o seguinte: você é muito audaciosa, você vai saber enfrentar algum problema muito grave que surgir e ao mesmo tempo é diplomática. Fui designada como diplomática, imagina”.
Em 1989, Nélida Piñon foi eleita para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Foi a primeira mulher a ocupar a presidência da instituição, em 1996, e comandou as celebrações no centenário da casa de Machado de Assis.
Em 2005, ganhou o renomado prêmio Príncipe de Astúrias e o prêmio Jabuti de Literatura por pelo romance de ficção “Vozes do Deserto”.
Em 2019, Nélida lançou "Uma Furtiva Lágrima", num momento de enorme apreensão. Quando começou a escrever o livro, tinha acabado de receber diagnóstico de que teria poucos meses de vida. Que depois se comprovou um falso diagnóstico.
“Me fez entender a vida interessantíssima que eu tinha vivido até então. Os amores, as paixões, os deslumbramentos, os assombros amorosos da minha vida. As pessoas maravilhosas que eu conheci. O bem e o mal”, disse Nélida.
A atriz Fernanda Montenegro leu um trecho do livro para a GloboNews.
“Resumo. Em uma frase tento resumir quem sou, o que penso quando crio. O amontoado de frases à beira de compor um livro, realça uma memória literária que espalha leituras, ajuizamentos, analogias. Certa matéria-prima a que me atrelo, mas de que me acautelo por conselho da imaginação. Segundo ela, convém criar sem defesa, sem razão, desamparada. De preferência regida pela insensatez”.
Nélida dedicou a obra a Gravetinho, o cachorrinho dela.
“Eu preciso saber, queridos amigos, se é o primeiro livro da literatura brasileira dedicado a um cachorrinho. Porque o Gravetinho tinha uma pedagogia excepcional. Ele me ensinou a amar ainda mais os animais”, disse a escritora.
A paixão pela Espanha marcou um dos últimos grandes gestos de Nélida Piñon. Em junho deste ano, ela doou toda a sua biblioteca para o instituto Cervantes, na zona sul do Rio.
Sete mil livros reunidos ao longo de uma carreira de 60 anos. Obras com dedicatórias de Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e José Saramago. E também anotações feitas pela própria escritora.
Tudo agora faz parte da Biblioteca Nélida Piñon.
“Eu sempre acreditei que os livros nasceram para viajar. Não pertencem a um único dono. É uma doação que implica um amor à Espanha, mas também um amor ao livro, à crença de que o livro sobrevive à medida que for lido. Que estiver ao alcance de todo mundo que tiver curiosidade pela vida. Que as pessoas possam apreciar e aplaudir os livros que deram vida a minha vida ao longo de todas as décadas”, disse a escritora.

Fonte: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/12/17/morre-a-escritora-nelida-pinon-aos-85-anos.ghtml

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