Depois de um mês de agonia, o grupo de 32 pessoas chegou ao Cairo, onde dorme nesta noite. O avião que transportará os brasileiros vai decolar do Cairo às 11h50 (hora local) de amanhã (13). O pouso em Brasília está previsto para as 23h30. Duas pessoas do grupo, que constavam da lista original, desistiram da repatriação e decidiram permanecer em Gaza.
Mesmo com a inclusão, os brasileiros ainda tiveram que aguardar, já que a fronteira de Rafah, em Gaza, para o Egito foi fechada no sábado (4) após ataque a ambulâncias, que deixou vários palestinos mortos e feridos.
A fronteira permaneceu fechada nos dias seguintes por razões de segurança. Na sexta-feira (10), ataques aéreos de Israel atingiram ao menos três hospitais na Faixa de Gaza e mantiveram a fronteira fechada.
Como a saída dos brasileiros e demais estrangeiros está condicionada à transferência dos feridos da Faixa de Gaza ao Egito, os confrontos em torno dos hospitais dificultaram a logística para saída das ambulâncias. Autoridades palestinas disseram que um bebê morreu e dezenas de outros pacientes estavam em risco devido ao cerco israelense a um dos hospitais.
Com o fechamento, os brasileiros tiveram que retornar aos abrigos, até que a autoridade da fronteira de Gaza anunciasse que a passagem terrestre de Rafah para o Egito seria reaberta neste domingo para quem tem passaporte estrangeiro.
Foram momentos de frustração desde o início do périplo dos brasileiros, logo após o Exército israelense anunciar intensa incursão terrestre e determinar o êxodo dos palestinos do norte de Gaza, habitada por mais de 1 milhão de habitantes, para o Sul, no dia 13 de outubro. No dia seguinte, uma parte dos brasileiros, que estavam abrigados em uma escola da Cidade de Gaza, iniciaram a jornada para Rafah
O governo brasileiro já havia mandado, no dia 12 de outubro, uma aeronave VC-2 (Embraer 190) da Presidência da República para resgatar brasileiros.
Na ocasião, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse que havia entrado em contato com o ministro das Relações Exteriores do Egito, Sameh Shoukry, a fim de garantir uma passagem humanitária para os brasileiros fazerem a travessia entre Gaza e o Egito, a partir de onde seria mais viável permitir um retorno seguro.
Isso não ocorreu, no entanto, de imediato. Os brasileiros, que estavam em dois grupos, nas cidades de Rafah e Khan Yunis, ao sul da Faixa de Gaza, tiveram que esperar uma pausa nos bombardeios para se deslocar com segurança. As cidades chegaram a registrar o maior número de mortes causadas pelos bombardeios de Israel no fim de outubro. Segundo a representação do Brasil em Ramala, na Cisjordânia, os brasileiros relataram intenso bombardeio “com o uso de algum produto que afeta a respiração: ‘parece gás lacrimogêneo’”.
Durante esse período, os brasileiros sofreram com difíceis condições de sobrevivência. Foram momentos sem energia, sem comunicação. No dia 27, a empresa de telefonia Palestina Jawal informou o corte de todas as comunicações com a Faixa de Gaza.
O Escritório de Representação do Brasil em Ramala, na Cisjordânia, só conseguiu retomar o contato com os brasileiros no dia seguinte. “Restabelecemos o contato com nossos nacionais nas duas cidades, e continuaremos monitorando a situação", informou o embaixador Alexandro Candeas, responsável pelo escritório.
Em Rafah, o grupo era formado por 18 pessoas, das quais nove crianças. Em Khan Younes, eram nove crianças, cinco mulheres e dois homens. Eles passaram por dificuldades para conseguir água e alimentos e tiveram que contar com o apoio da representação brasileira na Cisjordânia para conseguir itens básicos de alimentação.
Os brasileiros sofreram ainda com os bombardeios de Israel, que também atingiram o sul de Gaza. No dia 30, novo bombardeio atingiu um prédio ao lado da residência de uma das famílias de brasileiros em Khan Yunes. O fato foi registrado por Hasan Rabee, de 30 anos, que relatou o susto com o bombardeio.
“Acabou de cair uma bomba atrás desse prédio. Meu Deus do céu. As bombas não param. Está vendo a rua como ficou? As bombas não param. As crianças estão bem assustadas”, relatou o palestino naturalizado brasileiro.
Ele foi à rua para mostrar a destruição no prédio ao lado de onde estava abrigado. Contou que vizinhos tentavam salvar as pessoas atingidas pela bomba. “A casa que foi atacada ao lado de onde a gente está. Bastante gente ferida. Cidadãos fazendo ajuda humanitária para resgatar os feridos. Absurdo”, lamentou.
Hasan vive em São Paulo e foi a Gaza com as duas filhas e a esposa para visitar a família, poucos dias antes do início do conflito. O palestino naturalizado brasileiro contou à Agência Brasil que não já encontrava água mineral ou gás de cozinha.
“Água mineral a gente não tem, porque não acha. Antigamente, 500 litros (de água potável) eram 10 shekels, hoje 500 litros são 100 shekels, mas você não acha nunca. Não tem energia para filtrar essa água. Fruta é muito difícil achar na feira. A única coisa que a gente acha bastante é o pepino, o resto você não acha fácil ”, relatou.
A demora na inclusão dos brasileiros vinha causando muita expectativa. A primeira lista autorizou um grupo de 450 estrangeiros a deixar a Faixa de Gaza no dia.
Além dos estrangeiros, foi autorizada também a saída de palestinos gravemente feridos. Os cerca de 81 feridos foram conduzidos em ambulâncias pela passagem da fronteira de Rafah com o Egito.
Em diversas ocasiões, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, chegou a anunciar a autorização para os brasileiros cruzarem a fronteira com o Egito.
A veículos da imprensa brasileira, o chanceler disse que vinha conversando por telefone com o ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, e que havia obtido dele essa garantia.
Mas, com o passar dos dias, os nomes dos brasileiros não apareciam nas listas. Não apareceu na segunda, na terceira, na quarta, nem na quinta.
A expectativa passou para os dias seguintes, mas, sem a esperada resposta, os brasileiros permaneceram presos no sul de Gaza, ficando de fora também da sexta lista.
Essa ausência dos nomes gerou mal-estar nas relações diplomáticas entre o Brasil e Israel. Dos 3.463 estrangeiros autorizados a sair da Faixa de Gaza até a quarta-feira (8), 1.253 têm passaporte dos Estados Unidos, o que representava 36,1% do total. O principal aliado de Israel na guerra que o país declarou contra o Hamas lidera a lista de nacionalidades até agora autorizadas a deixar o enclave palestino.
Além dos Estados Unidos, mais oito países tiveram mais de 100 nacionais autorizados a sair da região. Essas nove nações somam 86% do total de estrangeiros autorizados a deixar Gaza. A segunda nacionalidade mais beneficiada foi a Alemanha, com 335 pessoas, o que representa 9,6% do total.
Em terceiro lugar está a Ucrânia, com 329 pessoas (9,5%) e, em quarto, a Jordânia, com 289 pessoas autorizadas a sair de Gaza (8,3%). Em seguida, estão o Reino Unido com 241 pessoas nas listas (6,9%), a Romênia com 154 (4,4%), as Filipinas com 153 (4,4%), o Canadá com 120 (3,4%) e a França com 111 (3,2%).
A demora foi considerada uma espécie de “retaliação” de Israel à postura do Brasil em relação ao conflito com o Hamas e ocorreu após críticas do presidente Luiz Inácio Lula Da Silva. O presidente disse que a postura do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, é de querer acabar com a Faixa de Gaza e classificou o ato como “insanidade".
Lula também defendeu o fim do poder de veto de membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) para que a entidade assuma posição mais forte em relação ao conflito.
Em rede social, Rabee postou imagens dos brasileiros após a travessia da fronteira. “Que Deus livre o povo de Gaza e os alivie”, escreveu.
Ele agradeceu ao presidente Lula o empenho pela repatriação. O presidente também se posicionou, na Rede X (antigo Twitter), Lula agradeceu o Itamaraty e a Força Aérea Brasileira (FAB).
“Parabéns para o Itamaraty e a FAB pela dedicação e competência exemplares na Operação Voltando em Paz, que buscou e acolheu os brasileiros que vivem na região do conflito e desejavam retornar ao Brasil”, escreveu.
Com informação da Agência Brasil