Essa é a história de Augusto Mangussi, goiano de 12 anos e com autismo que está se tornando um dos novos e promissores talentos das artes plásticas no Brasil. Pais do jovem Augusto Mangussi falam como a pintura trouxe ganhos incríveis para o desenvolvimento do filho
Autista não gosta de contato. Autista não gosta de barulho. Autista não se relaciona. Sintomas típicos do transtorno global de comportamento, que atinge 01 a cada 59 crianças no mundo, de acordo com o estudo “Autismo no Brasil: Desafios, Mitos e Verdades”, conduzido pelo médico Carlos Gadia, professor-assistente no departamento de neurologia da University of Miami Miller School of Medicine e diretor-médico do Tismoo Biotech Company Brasil. Contudo, esses sintomas podem ser atenuados consideravelmente e uma família brasileira está quebrando paradigmas depois que o filho autista, hoje com 12 anos, entrou em contato com as artes plásticas.
O protagonista dessa história é Augusto Mangussi, que tem se revelado como um novo e promissor talento das artes plásticas. Mesmo pintando há pouco mais de três anos, o jovem tem no currículo mais de 200 obras e sete exposições, duas delas nos Estados Unidos.
Os pais, o casal de advogados Larissa Lafaiete e Antônio Augusto Mangussi, contam que a habilidade foi descoberta ao acaso, na escola inclusiva que a mãe fundou em Caldas Novas, interior de Goiás, depois de passar situações de preconceito e despreparo em instituições de ensino por onde o filho passou. As aulas de artes foram uma atividade extracurricular para os alunos do integral. Na época, ele tinha 9 anos.
Nos primeiros dias a mãe de Augusto precisou estar perto, mas logo a conexão entre professora e aluno ocorreu. “Um dia eu acabei me atrasando e ela começou a aula com ele. Ele foi super bem e continuou. Com tempo todas as crianças saíram e só o Augusto que ficou”, revela Larissa.
O primeiro ganho para Augusto foi a capacidade de concentração: para autistas, permanecer muito tempo em uma atividade não é fácil. Mas, indo além disso, a arte do garoto também começou a chamar atenção. “Todo mundo começou a elogiar os quadros que ele fazia. Vinha uma professora e achava bonito e pedia um quadro para a sala. Alguns pais viam, elogiavam e também queriam. Começamos então a fazer pequenas exposições dentro da escola. Depois o pai dele montou uma conta no Instagram com os quadros dele e ele começou a ganhar muitos seguidores”, relembra a mãe.
Exposições Foi da rede social que veio o convite para Augusto participar o concurso de arte Eyecontact Festival Of Arts for Autists, realizado em 2019 (TEAbraço – Ribeirão Preto). O projeto foi criado pela artista plástica Grazi Gadia, esposa do médico Carlos Gadia, uma referência mundial em autismo.Foi a primeira participação de outras seis que a sucederam em um período de apenas um ano, durante 2019. Começando pela Expo Arte SP, uma famosa feira de arte em São Paulo. “Nós mandamos os quadros dele para o fundador da feira, o galerista Eduardo Mônaco, que selecionou o quadro para a edição de 6 edição. O Augusto foi a primeira e única criança a expor na Expo Arte de SP e já participou de três edições. A partir daí ele começou a ter uma projeção bacana”, lembra a mãe do artista. “Foi nesta exposição que vendemos um quadro dele para uma celebridade sem saber. Havia uma moça muito bonita que se encantou com um quadro que o Augusto pintou de três baianas. Ela disse que iria presentear o marido. Ela fez algumas ligações decidiu levar outro quadro e disse que tinha um sobrinho autista. Então ficamos conversando e ela foi muito agradável. Mas não sabíamos quem era ela. Pelo nome dela no comprovante do pagamento decidimos pesquisar quem era. Descobrimos que era neta do ator Lima Duarte e esposa do cantor Seu Jorge”, relembra Larissa e o marido.
A estreia internacional aconteceu em outubro passado, Expo Arte Arizona, da Focus Brasil. O evento realizado no estado norte-americano do Arizona, na cidade de Phoenix, reuniu vários artistas plásticos brasileiros de renome e Augusto foi um convidado especial.
E, em dezembro, Augusto participou da Semana de Arte Basel, que congrega seis feiras de arte que realizadas simultaneamente na cidade de Miami. Augusto levou seus quadros para a Red Dot, uma delas, sendo o único com autismo e o mais jovem expositor a participar. “Foi um grande orgulho para nós, que temos priorizado o desenvolvimento do nosso filho em detrimento de nossas próprias carreiras profissionais. Uma vez que ele tem talento e está feliz, desejamos que seja um caminho para sua autonomia e independência no futuro, quando ele não estivermos mais aqui”, conta o pai.
Augusto também foi destaque no 1º Congresso Internacional de Autismo realizado na Bahia, no início do mês de janeiro deste ano, onde seu trabalho foi apreciado pela 1ª dama do Estado de Goiás, Gracinha Caiado.
Seus quadros também viraram estampa de roupas da Sui Generis Camisaria Feminina, uma marca de Curitiba, cuja dona tem um filho autista também. “Ela criou este projeto que traz nas roupas desenhos feitos por crianças autistas”, conta Larissa.
Sempre orgulhosa dos trabalhos do filho e sobretudo de sua evolução, Larissa diz que a arte trouxe para Augusto um ganho inestimável para sua vida. “Acho que trouxe caminhos pra ele, abriu um horizonte. Nem digo o pintar em si, mas arte de maneira geral. Através da arte ele se sentiu importante. Porque ele começou a expor, as pessoas começaram a elogiar o que ele fazia. Então é o que a arte trouxe de melhor foi habilidade social, algo que realmente é muito difícil trabalhar no autista”, diz.
O grande estímulo são as exposições. “Ele quer participar e interage com as pessoas”, complementa a mãe. O pai conta que Augusto já está até negociando mudanças de comportamento mediante a possibilidade de participar de novos eventos. “Falei para ele que tinha de emagrecer, parar com o refrigerante; eis que ele me respondeu: ‘se eu emagrecer, você me leva para a próxima exposição?’” A exposição negociada, no caso, é a Rio Te Ama, agendada para os dias 27 a 29 e março, no Rio de Janeiro. Ele também já tem uma obra selecionada para a Expo Art New York, agendada para 24 e 26 de abril.
Filho único e fã de Luiza Possi, no dia a dia, Augusto concilia a pintura com os estudos - está no 5º ano do Ensino Fundamental. Tem um atelier em casa e todos os dias se dedica aos pincéis. Chega a pintar durante quatro horas seguidas, sem se desconcentrar. Ele tem uma professora que o orienta, mas o processo criativo é dele, e já demonstra ter um estilo próprio. Pinta com personalidade, fazendo escolha de cores e combinações. “O autista tem uma visão muito concreta, tem dificuldade de fazer abstrações. Por isso, ele não tem insights, normalmente precisa de um direcionamento para a escolha do que ele vai pintar. Então a professora ou nós sugerimos, ele observa figuras, fotos ou até mesmo uma paisagem ao vivo. Depois o processo é dele”, descreve a mãe.
Larissa e Antônio Augusto explicam que hoje, graças a arte, e claro ao amor e determinação dos pais em darem o tratamento adequado ao filho, o jovem artista autista tem o que especialista chamam de habilidades de aprendiz. “Hoje a gente trabalha a concentração dele, que é um negócio difícil para o autista. Depois que ele aprendeu a aprender, ficou fácil ensinar as coisas a ele”, explica Larissa.
Presentes em várias palestras pelo Brasil sobre Autismo, os pais de Augusto se dizem duplamente gratificados pela decisão de priorizar o desenvolvimento do filho. Segundo eles, sua história já tem inspirado outras famílias a perceberem que a pessoa com autismo tem sim o direito de sonhar. “Percebo que este trabalho está sensibilizando muitas pessoas. A gente recebeu recentemente mensagem de uma mãe pelo Instagram, muito emocionante. O Augusto pintou um quadro de um menino com balões, aliás um dos trabalhos dele mais elogiados, e essa mãe nos disse que quando viu o quadro num congresso sobre autismo, lembrou do interesse restritivo do filho dela, que são balões. Então ela postou uma foto do quadro e do filho dela com balões, dizendo que quando ela viu o Augusto falar dos sonhos dele, isso lhe trouxe muita esperança. Por que aquilo ali podia ser o sonho do filho dela”, relata Larissa.
Larissa conta que percebeu o comportamento diferente do filho por volta de um ano e dois meses. Uma aula de musicalização infantil foi a gota d’água para que ela não adiasse mais a busca por entender o que havia com o filho. “As outras crianças faziam coisas que a professora mandava e o Augusto não fazia. Ela mandava os meninos buscarem o lenço, todas as crianças iam, e o Augusto ia para a janela; mandava buscar um chocalho, as crianças todas iam, e o Augusto ia pra janela; davam uma outra coisa interessante para elas buscarem, um fantoche enorme, e as outras crianças iam e ele não. Via que algo estava errado”, conta.
Depois disso, partiram para buscar o diagnóstico, mesmo o próprio pediatra da criança dizendo que não tinha nada errado com ele. Foram a três especialistas para se ter uma direção.
Para o pai de Augusto, a demora e a insegurança da grande maioria dos médicos em fechar um diagnóstico de autismo é um problema. “Na verdade no Brasil os médicos não têm coragem de fechar diagnóstico com criança pequena com medo de errar e isso, ao meu ver, prejudica muito. Além do mais, quando a pessoa quer se enganar, acredita na primeira opinião que tenta amenizar a situação. Com isso, muitas vezes o filho não tem o tratamento adequado”, afirma.
Logo após o diagnóstico, a família priorizou as terapias para o desenvolvimento de Augusto, chegando a se mudar para a capital paulista com esse objetivo, entre os anos de 2013 e 2015 e entre 2018 e 2019. De volta à Goiânia, hoje os pais de Augusto tentam ajudar o filho a realizar seu sonho que, segundo ele próprio, é fazer faculdade de belas artes em Miami.
[gallery]