28/05/2023 às 23h17min - Atualizada em 29/05/2023 às 00h00min

Como o veneno de sapo usado em rituais atua em nosso cérebro

Veneno do Bufo Alvarius tem sido usado em rituais no Brasil, com efeitos perigosos para usuários, que relatam alucinações, crises de pânico e ansiedade.

G1 Brasil
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Veneno do Bufo Alvarius tem sido usado em rituais no Brasil, com efeitos perigosos para usuários, que relatam alucinações, crises de pânico e ansiedade. Como o veneno de sapo usado em rituais atua em nosso cérebro
Por que que tem tanta gente tomando veneno de um sapo do deserto para se livrar dos seus dramas pessoais? Muitas vezes, dá errado. Em uma cerimônia no México, os participantes inalam uma mistura bem incomum: veneno de sapo. Como um dos nomes científicos deste sapo é Bufo Alvarius, o veneno é conhecido pelo mesmo nome: Bufo.
“Possivelmente, o sapo sintetiza isso para se livrar de predadores. Na biologia, a gente veria isso como uma defesa, uma toxina”, diz Rafael Guimarães dos Santos, professor da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto.
Foram os efeitos de alteração de consciência que atraíram o ser humano. E não demorou nada pro Bufo chegar ao Brasil, onde o produto mexicano também é usado, geralmente, em rituais místicos.
Mas conforme noticiou esta semana a repórter Isabel Seta, do g1, a experiência com o veneno do sapo pode ser terrível. Como a da goiana Gabriela Silva, que tentava superar um trauma.
“Eu perdi um irmão uns anos atrás. Então logo depois da perda do meu irmão, eu fui tentando realmente entender o sentido da vida” conta Gabriela.
A advogada já tinha participado de cerimônias com ayahuasca. E então recebeu a sugestão de usar o bufo. Foram R$ 1,3 mil para a dose dela e do marido em um ritual em uma casa em São Paulo, em março de 2021. Os efeitos psicodélicos do bufo, muito intensos, duram em média vinte minutos. Para ela, não deu certo.
“Foi uma experiência horrível, horrível. De morte, assim, de abismo”, conta Gabriela.
A vida dela mudou. Para pior. “Crises de pânico, crises de ansiedade Fui afastada do meu trabalho, passei meses e meses tendo muitos surtos psicóticos”.
Agora, Gabriela lidera um grupo de pessoas que dizem ter piorado, psicologicamente, depois de usar bufo, e que foram pra justiça, acusando o Instituto Xamanismo Sete Raios, de São Paulo, de não tomar os cuidados necessários: nem antes, nem durante, nem depois dos rituais.
“Eu estava tendo pensamentos suicidas. Tinha altos impulsos para me jogar da janela. E eu nunca tinha tido nenhum problema psicológico. Nenhum. Então, foi de longe a pior coisa que eu já passei na minha vida. Comecei a ter medo de coisas que eu nunca tive antes”, conta uma das vítimas, que não quis se identificar.
A Franciele também. Ela é comissária de bordo. Depois do bufo, pegou pavor de avião.
“Fui demitida, infelizmente. Sinto muita falta da aviação. Porque aviação, na minha vida, eu acredito que depois da minha família... aviação é minha segunda paixão. Eu estava em busca realmente de algo para minha cura física, da depressão e ansiedade", conta a comissária de bordo Franciele.
A Gabriela, a Franciele e a moça que não quer se identificar, dizem que, quando pediram ajuda aos responsáveis pelo Instituto Sete Raios, ouviram que era assim mesmo: era preciso passar pela escuridão pra encontrar a luz.
“A única coisa que ele me falou foi: toma banho de ervas, acende umas velas. Hora nenhuma eles falaram pra mim: Gabriela, procura um médico, procura um psicólogo”, conta a advogada.
Segundo Franciele, o Instituto Sete Raios orientou verbalmente que, duas semanas antes do ritual, ela parasse de tomar remédios pra depressão e ansiedade. Mas parar de uma vez pode trazer muitos perigos.
“Talvez algumas pessoas que não deveriam estar tomando, chegam e tomam porque não houve uma entrevista mínima ali que talvez devesse barrar aquela pessoa”, afirma Rafael Guimarães dos Santos, professor da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto.
O consumo de bufo vem aumentando. Em Goiás, enterrados em um quintal, foram apreendidos, em abril, 12 gramas, vindos do México.
“Essa substância poderia ser fornecida para pelo menos 500 pessoas”, afirma Francisco Costa, delegado.
O bufo é ilegal no Brasil. E quem traz pode sofrer consequências. “Ao que tudo indica, os investigados serão indiciados por tráfico de drogas”, explica Francisco Costa.
Veneno de sapo proibido, rituais xamânicos e surtos psicóticos: veja perguntas e respostas
Onda Psicodélica
A onda psicodélica urbana começou há exatos oitenta anos, quando o químico suíço Albert Hoffman descobriu o LSD. A Ayhauasca, uma mistura usada há milhares de anos por indígenas das Américas, também tem um princípio ativo de ação psicodélica. Assim como o peiote, um cacto, e os chamados cogumelos mágicos.
Essas substâncias psicodélicas agem, claro, no nosso cérebro. As células principais que formam o cérebro são os neurônios. Os neurônios não são colados um no outro e tem um espacinho: as sinapses. E para transportar o impulso nervoso de um neurônio pra outro existem substâncias chamadas neurotransmissores. Um desses neurotransmissores é a serotonina. A substância que é o princípio ativo do veneno do bufo e a serotonina são muito parecidas, são quase irmãs. Então, quando alguém usa o veneno do bufo, essa outra substância vai lá e faz o papel da serotonina. Ela ocupa os espaços da serotonina, ela ocupa os encaixes da serotonina nos neurônios, e isso provoca uma descarga no sistema nervoso. Uma descarga no cérebro, ocasionando sensações muito diferentes daquelas que a gente experimenta no dia a dia.
“São alterações do conteúdo do pensamento. Intensificação do aparelho sensorial, percepção de sons, de cores. Às vezes, percepção do tato. A lógica dos pensamentos é diferente da lógica que a gente usa no nosso dia a dia. Também produz em alguns indivíduos o que os cientistas estão começando a chamar de experiências místicas. Essa sensação de unidade com o todo. Essa dificuldade de colocar a experiência em palavras”, completa o professor Rafael Guimarães dos Santos.
O ex-boxeador Mike Tyson usou o bufo, e diz que hoje é outra pessoa. “Passei a aceitar a morte com naturalidade", contou Tyson.
Risco de extinção
Nos Estados Unidos, onde o consumo é tolerado, e no México, onde é liberado, a febre do bufo é tão grande que, de acordo com o jornal The New York Times, tem tanta gente atrás de sapos no deserto que o bicho pode correr risco de extinção. Até existe bufo produzido em laboratório, mas os puristas só querem o do sapo.
"A pessoa tem que pegar o sapo, retirar a resina sem machucar o sapo, secar aquela resina e aí fumar ou vaporizar", diz o professor Rafael.
Uma curiosidade sobre o uso do veneno do bufo em rituais é que muitas vezes a pessoa que tá lá dando a substância se veste de xamã, bota roupas supostamente indígenas, porque aquele seria um ancestral ritual dos povos originários lá do deserto de Sonora, na fronteira do México com os Estados Unidos. Mas na verdade, não existe registro de que realmente esse uso seja ancestral. Tudo indica que seja algo recente, da segunda metade do século XX, descoberto ali no deserto por americanos que tavam querendo novas experiências.
E essas novas experiências ficaram mais difíceis de ser vividas a partir de 1967, quando o LSD e outras substâncias psicodélicas foram declarados ilegais. Mas, nos últimos anos, os psicodélicos estão ressurgindo. Em estudos científicos, com triagem rigorosa e doses super controladas, eles têm funcionado, por exemplo, pra tratar dependência química, ansiedade e depressão.
A Gabriela diz que procurava algo assim. Mas não foi o que encontrou nos rituais de bufo do Instituto Sete Raios.
“Não tinha nenhum médico. Não tinha nenhum psicólogo. Não tinha nenhum profissional da saúde, nenhum. Não tinha nenhuma ambulância. Na verdade, não tinha nenhuma preparação mesmo. Eram eles e pronto”, conta Gabriela.
A advogada do Instituto, Cecília Galício, admite a falta de cuidado na triagem e depois, no acompanhamento. “Falha. Acho que a palavra seria uma falha no acompanhamento desse processo”.
Mas ela afirma que as pessoas que hoje denunciam o Instituto sabiam no que estavam se envolvendo.
“Elas tinham plena ciência de que se tratava de Bufo Alvarius. Porque toda a dinâmica do grupo e do ritual, inclusive essa questão a respeito da substância que veio do México, foi explanada para todas as pessoas, em todos os momentos” explica a advogada.
Existe um inquérito de tráfico de drogas em andamento a respeito das atividades do Instituto Sete Raios. A advogada diz que o Instituto Sete Raios parou com os rituais de bufo.
"Eles tinham conhecimento de que a substância era proibida mas não tinham conhecimento de que essa substância não poderia ser utilizada em rituais religiosos. O grupo vai estar atento ao cuidado, à atenção das pessoas. E à maneira como as pessoas podem ser afetadas eventualmente com essas experiências."
Em resumo: substâncias psicodélicas são coisa séria. A ciência está mostrando que elas podem trazer vários benefícios. Mas com acompanhamento médico e com muito cuidado.
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