Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, cerca de 24% dos entrevistados relataram iniciar sua jornada online na primeira infância, ou seja, até os seis anos. Isso representa um aumento expressivo desde o levantamento de 2015, quando essa proporção era de 11%. O Instagram lidera como a plataforma mais utilizada por usuários de 9 a 17 anos, alcançando 36% das crianças e adolescentes entrevistados. Logo atrás, vem as demais redes sociais populares no país, como o YouTube (29%), TikTok (27%) e o Facebook (2%).
Todo esse acesso às redes sociais é algo para reflexão no Dia Internacional da Criança na Mídia, em 12 de dezembro. Até há alguns anos, a exposição das crianças na mídia era uma situação de exceção, nas poucas revistas, campanhas publicitárias ou programas voltados para este público. Raros eram os apresentadores mirins que se tornaram celebridades. Com o advento da internet e as facilidades da tecnologia, a realidade mudou atualmente. As crianças criam o seu próprio canal de conteúdo, filmam e editam seus vídeos, e fazem as publicações. Sair do anonimato e ganhar fama nas redes passou algo possível.
O novo contexto exige um olhar para os direitos de imagem da criança. A advogada familiarista Ana Luisa Lopes Moreira, que integra o escritório Celso Cândido Souza Advogados, explica o que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) orienta sobre imagem infantil. “O ECA estabelece diversas disposições sobre a proteção e preservação da imagem, privacidade e integridade das crianças e adolescentes. Em destaque, o artigo 17 assegura o direito ao respeito, que compreende a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem e da identidade dos menores”.
Ela lembra que é da família e da sociedade a responsabilidade de acompanhar os canais dos filhos, visando sua segurança física e emocional. “Em primeiro lugar, observar se o conteúdo é apropriado para a idade, garantindo que o que for compartilhado não exponha a criança a situações vexatórias ou comprometa sua dignidade. Sua segurança e privacidade devem ser observadas pelos adultos, evitando compartilhar informações pessoais que possam identificar a criança ou colocá-la em risco, como sua rotina diária e os lugares frequentados”, pontua a especialista.
Shareting
Um outro ponto de discussão é a exposição da imagem dos filhos que é feita nas redes sociais dos pais. Como hoje ela se tornou o “álbum fotográfico” da família, é natural que os pais publiquem fotos com seus filhos, mas existem os casos em que as postagens passam a ter a intenção de promoção da imagem das crianças, e alguns criam um perfil para o próprio filho na expectativa de transformá-los em influenciadores mirins.
Ana Luisa Lopes Moreira explica sobre essa prática. “Nesse contexto, estamos diante da situação de ‘sharenting’, termo em inglês que abrange as palavras share (compartilhar) e parenting (paternidade), utilizado para descrever a prática de pais que compartilham imagens de seus filhos na internet. Os responsáveis devem ponderar quanto à privacidade e segurança dos menores, avaliando os riscos de exposição e garantir que a privacidade da criança seja protegida. E também quanto ao consentimento futuro, levando em consideração que a criança, ao crescer, pode não concordar com a exposição feita durante sua infância”.
A advogada familiarista também pondera sobre a atuação dos influenciadores mirins. “A atuação de crianças como influencers pode ser considerada trabalho infantil, dependendo das circunstâncias. O ECA e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelecem que o trabalho infantil é proibido, exceto na condição de aprendiz a partir dos 14 anos. Qualquer atividade que envolva remuneração ou exploração econômica deve ser cuidadosamente regulamentada e supervisionada para garantir que não prejudique o desenvolvimento da criança. Contudo, o desempenho artístico é autorizado para menores de 16 anos somente com permissão judicial, o que não se aplica aos jovens youtubers e influenciadores digitais mirins, que muitas vezes têm perfis criados nas redes sociais antes mesmo de seu nascimento, fato que gera grande debate e discussão social e jurídica”.
Para a especialista é preciso observar se essa vida de influenciador mirim está ou não fazendo bem para a criança. “Com o acesso precoce a redes sociais, as crianças e adolescentes entram em contato com a internet e o seu ‘submundo’. Atentar-se à idade adequada para acessar cada plataforma é o primeiro e fundamental passo para prover segurança deles na internet. Os responsáveis, principalmente quando se tratar de crianças que produzem conteúdo ou têm acesso às redes sociais, devem se atentar ao bem estar emocional dos pequenos, monitorando sinais de estresse, ansiedade ou descontentamento. Garantir que a atividade de influencer não interfira na educação, lazer e desenvolvimento social da criança é fundamental, mantendo equilíbrio na vida do menor. Acima de tudo, respeitar e estar atento à vontade da criança e não forçá-la a participar de atividades contra sua vontade, seja em fotos, vídeos ou conteúdos na rede social”.
Denúncias sobre a situação dos menores podem ser feitas de várias formas, segundo Ana Luisa. “É necessário que se façam denúncias quando se deparar com conteúdos de menores em situações inapropriadas. A primeira deve ser feita na própria plataforma, com o objetivo de excluir o conteúdo que vá contra as diretrizes da rede social em questão. A Constituição Federal, em seu artigo 227 estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Além disso, devem ser protegidos de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Qualquer pessoa pode denunciar casos de exposição inadequada de crianças e adolescentes. As denúncias podem ser feitas ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público ou através do Disque 100, o canal nacional de denúncias de violações de direitos humanos”.