Passageiros e motoristas enfrentam dificuldade
No dia 1º de junho, utilizei o transporte por aplicativo da Uber para chegar ao Paço Municipal às 10h50. Uma corrida que custou R$ 11,93. Tudo dentro do esperado. Na hora de ir para outro lugar, às 13h20, demorei mais de 20 minutos para conseguir chamar um motorista.
Foram seis os cancelamentos. O chamado motorista parceiro aguardava alguns minutos e cancelava a viagem. Só quando o aplicativo direcionou ao sexto condutor logado em um local mais próximo ao Paço, consegui então fazer a viagem.
Naquele momento, em junho, os aplicativos que oferecem transporte de passageiros por meio de motoristas que se cadastram na plataforma ainda não sofriam questionamentos nas redes sociais de usuários. Entre julho e agosto, as reclamações aumentaram. Não só em Goiânia, mas em diferentes cidades brasileiras.
Piadas e reclamações
“RIP Uber em Goiânia”, lamenta uma goianiense no Twitter no dia 20 de agosto. Junto à mensagem, um print da tela do aplicativo com a informação: “infelizmente, a Uber não está disponível na sua região”. Há aqueles que apelam para o humor para reclamar da dificuldade em conseguir fazer uma corrida pela plataforma: “Uber em Goiânia tá igual o amor da minha vida, não achaaaaa”.
A reportagem decidiu fazer trajetos diários apenas por solicitação de motoristas pela plataforma da Uber para ver se enfrentaria dificuldades. Em três das vezes, mais de um condutor cancelou a viagem depois de confirmada pelo aplicativo. Mas o preço ficou dentro do esperado no horário, de R$ 11 a R$ 15. Em semanas anteriores, a dificuldade parece ter sido maior.
Quando o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, esteve em Goiânia para participar de evento das prévias nacionais do PSDB, a ida da reportagem do AR ao local do evento custou R$ 11,97. Mas a volta foi o momento do susto. A primeira busca gerou a oferta do mesmo trajeto na volta por quase R$ 30. Depois de 15 minutos de espera, o preço caiu. Mas para o ainda salgado valor de R$ 23,92. “Muitos motoristas sofreram o impacto do aumento dos combustíveis”, comentou o condutor que me levou de volta para casa naquele dia 7 de agosto.
“Uber em Goiânia tá um inferno”, reclamou uma passageira na sexta-feira (27/8) no Twitter. A possível explicação de que os motoristas vinculados à plataforma da empresa terem desistido por não suportarem o alto custo da gasolina, do etanol e, em alguns casos, do aluguel do carro, é contestado pela Uber.
Escolha pelo app
Em resposta ao jornal A Redação, a empresa afirma que os mais de 1 milhão de motoristas e entregadores parceiros em todo o Brasil escolheram o app da Uber para gerar renda. “Como profissionais independentes, eles têm liberdade para decidir em quais dias e horários preferem dirigir, ou seja, eles podem ligar ou desligar o aplicativo quando acharem mais conveniente.”
Na avaliação da Uber, muitos motoristas “aproveitam essa flexibilidade para encaixar a atividade dentro de sua rotina, aumentando ou reduzindo seu engajamento no aplicativo conforme cada época”.
“Muitos aproveitam essa flexibilidade para encaixar a atividade dentro de sua rotina, aumentando ou reduzindo seu engajamento no aplicativo conforme cada época. Globalmente, 34% dos parceiros da Uber alternam a quantidade de horas que ficam on-line na plataforma de semana para semana em mais de 50%, na média”, informa a empresa.
Jornadas longas
Na manhã de sexta-feira, a corrida para a sede do AR custou R$ 14,96. Não houve demora para conseguir um carro pelo aplicativo. O motorista, que conversou informalmente com a reportagem na condição de passageiro, relatou que se não tivesse outro emprego na parte da tarde, precisaria ficar de 12 a 14 horas para conseguir tirar aproximadamente R$ 2 mil por mês como motorista de aplicativo.
“Os ganhos de quem dirige com o app da Uber têm sido os maiores desde o início do ano. Em Goiânia, por exemplo, os parceiros que dirigiram por volta de 40 horas ganharam, em média, de R$ 1.200 a R$ 1.300 na semana. Em um mês, significa que os motoristas estão com média de ganhos superior à média salarial de várias profissões no país, como fisioterapeutas, intérpretes, nutricionistas ou corretores, por exemplo, de acordo com o site da empresa Catho, que compila informações do mercado de trabalho”, afirma a Uber.
Há três semanas, a plataforma informou que não havia motoristas parceiros disponíveis nas proximidades. Em seguida, o valor ofertado foi alterado. Mas, antes de aceitar, veio a mensagem se o usuário aceitaria pedir, mesmo assim, a viagem sem saber o valor que seria cobrado.
“É importante lembrar que os ganhos dos parceiros da Uber são bem particulares, porque são muitas as variáveis em jogo, já que cada um escolhe como quer usar a plataforma. Por exemplo, como os parceiros da Uber são livres para decidir em quais dias e horários dirigir, quem dirige em dias e horários de maior movimento tem uma maior chance de ganhar mais”, diz a plataforma.
Baixa remuneração
Na noite de segunda-feira (23/8), o motorista que me buscou próximo ao Terminal Praça da Bíblia, em uma corrida de R$ 14,91, contou que os custos de manutenção do veículo, a gasolina reajustada nas refinarias nove vezes em 2021 pela Petrobras e o baixo valor pago pelas viagens faziam com que ele precisasse rodar em torno de 12 horas por dia. E mesmo assim não compensava tanto.
Ao AR, a empresa informa que tem acompanhado o aumento do preço dos combustíveis nos últimos meses e entende a insatisfação causada pelos seus impactos em todo o setor produtivo. “Por isso, a empresa tem intensificado esforços para ajudar os motoristas parceiros a reduzirem seus gastos. Por meio do programa de vantagens Uber Pro, a empresa lançou em 2021 diversas iniciativas e promoções para aumentar os ganhos em todos os tipos de viagem, de curta ou longa distância.”
Uma das medidas citadas pela plataforma é o pagamento na hora de abastecer o carro pelo aplicativo “Abastece-aí”, com oferta de até 20% do valor em cashback nos postos da rede Ipiranga. “O motorista parceiro da Uber tem direito a 4% de cashback sem que, para isso, precise gastar seus pontos do programa KM de Vantagens. Isso significa que, além de receber de volta parte do valor gasto no abastecimento, o parceiro ainda acumula mais pontos para usar, por exemplo, na manutenção do carro”, descreve.
Além do desconto no abastecimento por meio de empresa parceira, a Uber cita oferta de descontos e planos de celular com plataformas que trabalham junto com o aplicativo, como isenção em estacionamentos e pedágios, descontos em redes de academias, descontos em consultas, exames e medicamentos e oferta de cursos de gestão financeira.
Aumento da demanda
Tanto a Uber quanto a 99 afirmam que a demanda aumentou, principalmente entre passageiros da classe C. “Com a pandemia, pessoas que antes não usavam a Uber no dia a dia agora estão optando pelo app. Uma pesquisa feita pelo Datafolha mostrou que os brasileiros consideram os apps de mobilidade um dos meios mais seguros para se locomover no contexto da pandemia e, dentre as empresas no mercado, a mesma pesquisa identificou que os entrevistados consideram a Uber a mais segura.”
Concorrente da Uber, a 99 aponta aumento na busca pelo serviço de transporte por aplicativo. “A 99 esclarece que não registrou alteração no número de motoristas parceiros no país. Por outro lado, observou-se um aumento da demanda pelo serviço, impulsionado por dois fatores: a reabertura das cidades e adoção dos carros por aplicativo pela Classe C”, informa.
E continua a 99: “De acordo com pesquisa Datafolha encomendada pela 99, em 2020 40% dos brasileiros da classe C passaram a utilizar os carros por aplicativo com mais frequência e 31% que não conheciam o serviço aderiram à modalidade”. Em resposta às dificuldades enfrentadas pelos motoristas, a 99 cita o pacote que lançou para oferecer ajuda aos condutores cadastrados na plataforma.
“Exemplo disso foram os mais de R$ 3,1 milhões de desconto oferecidos pela empresa nos postos da rede Shell em todo o país. Ainda, para reduzir o impacto dos constantes reajustes dos combustíveis, a 99 lançou um pacote de medidas para oferecer possibilidade de renda para os parceiros que consiste, entre outras iniciativas, no repasse integral dos valores das corridas em dias e locais específicos.”
Entre as medidas, estão aplicar R$ 570 milhões até dezembro de 2021. “Em 2020, este montante foi de R$ 15 bilhões, segundo um estudo da Fipe que considera o impacto econômico da renda obtida pelos motoristas parceiros, gasta em seus custos operacionais (como alimentação e combustível) e no consumo de suas famílias (bens e serviços em geral).” A empresa afirma que a adoção da tarifa zero em horários específicos teria gerado um retorno de R$ 3 milhões aos motoristas parceiros.
Além da tarifa zero, a 99 diz que adotou as campanhas Escolha Inteligente, Corrida Turbinada, Reembolso Rápido e estuda revisar as políticas da plataforma. “Para incentivar a disponibilidade de motoristas, a 99 está promovendo pelo segundo ano consecutivo a campanha Direção Premiada, que sorteará oito carros de R$ 80 mil, uma casa no valor de R$ 200 mil, além de prêmios semanais.”
Em mais de um aplicativo
“Tá mais fácil ver um unicórnio voando de capacete do que pedir um Uber em Goiânia”, brincou na terça-feira (24/8) uma passageira. De acordo com o presidente da Cooperativa de Motoristas Particulares de Goiás (Coompago), Fabrício Feitoza, o motorista ligado às plataformas está em mais de um aplicativo para verificar qual empresa oferece o melhor pagamento pela corrida. “Hoje para se rodar tem de ser no aplicativo que está pagando melhor, com bonificação e acompanha o reajuste dos combustíveis.”
Feitoza afirma que quando há demora para o passageiro conseguir uma viagem é porque aquele aplicativo estaria, na visão dos motoristas, com uma baixa remuneração por corrida naquele momento. O presidente da Coompago diz que é preciso melhorar a remuneração que parte das plataformas fazem aos motoristas.
Sobre os cancelamentos, Feitoza explica que o motorista tem a opção de cancelar a viagem solicitada se entender que a distância e o gasto de combustível não são compatíveis com o valor que será pago pela corrida. “Ele vê a distância, que a corrida é muito barata, o que não paga o combustível que será gasto para buscar o passageiro”, explica.
De acordo com o presidente da cooperativa, outros aplicativos têm oferecido preços de corrida e vantagens mais atrativas do que os atuais valores pagos aos motoristas pela Uber. A dica de Feitoza aos passageiros segue a mesma lógica adotada pelos motoristas: “Que os passageiros procurem outros aplicativos para chamar a corrida.” O presidente da Coompago lembra que, como o condutor se vincula a várias plataformas, o usuário também precisa ficar atento ao preço em mais de um aplicativo na hora de pedir a viagem.
Volta do táxi
Para quem achava que os táxis estavam fadados ao fim com a chegada do transporte por aplicativo em 2016 a Goiânia, dados da Vá de Táxi apontam que houve aumento de 60% no número de passageiros no serviço em todo o Brasil. Só em Goiânia, o período de reclamações e insatisfação com o serviço oferecido pelos aplicativos na hora de conseguir uma viagem fez a procura por táxi dobrar nos seis primeiros meses de 2021.
Fonte: A Redação