Instituições concedem entrevista pela 1ª vez com detalhes exclusivos sobre a operação 'Queda da Bastilha', que investiga delegado, advogados e policiais penais. 'Queda da Bastilha': operação investiga organização criminosa que atua no Iapen
'Queda da Bastilha': operação investiga organização criminosa que atua no Iapen
A Polícia Federal e o Ministério Público do Amapá, que até o momento ainda não haviam concedido entrevista sobre a operação "Queda da Bastilha", que investiga esquema de ilícitos dentro e fora do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen), deram esclarecimentos exclusivos com detalhes à equipe da Rede Amazônica. Os relatos oficiais do MP e da PF estão organizados em ordem cronológica.
Saiba mais:
Delegado, advogados e policiais penais são alvos da PF no Amapá
Justiça decide manter presos delegado, advogados e policias penais detidos
PF diz que delegado preso ofereceu carro blindado e a própria casa para chefe de facção
Detento investigado foi achado morto dentro do presídio horas após a operação
Iapen suspende visitas no cadeião após morte de detento
Polícia Civil investiga como homicídio por "queima de arquivo" morte de detento
MP apreende 2 celulares com detento na enfermaria do Iapen
De acordo com o delegado da Polícia Federal, Davi Sobral, toda a investigação que culminou na operação deflagrada na última quarta-feira (14), iniciou a partir da ação em que foi encontrada uma caixa de papelão na cozinha do presídio com o carregamento de onze quilos de drogas, uma arma de fogo calibre 38, com a numeração raspada, 66 munições e 58 celulares, e que de acordo com a investigação, seriam colocados dentro de marmitas.
A nutricionista, gerente da cozinha do presídio, contratada por uma empresa terceirizada, seria a responsável por receber e armazenar o carregamento.
O material seria entregue a Rafael Mendonça Góes, detento responsável por serviços elétricos no presídio, que tinha acesso a diferentes áreas do Iapen, inclusive o local da empresa terceirizada onde trabalhava a nutricionista, com quem, segundo a investigação, Rafael tinha uma relação pessoal. Os dois foram presos na época e com eles foram apreendidos dois celulares.
Fachada do cadeião do Iapen, em Macapá
Jorge Júnior/Rede Amazônica
A Justiça autorizou que a Polícia Federal tivesse acesso a todo o conteúdo, incluindo mensagens e arquivos dos celulares dos dois presos.
A polícia ainda apreendeu outro celular que estava em posse do preso Ryan Richelle dos Santos Menezes, conhecido como “Tio Chico”. Foi como a polícia conseguiu identificar outros integrantes da organização criminosa, inclusive servidores públicos do presídio e o delegado de Polícia Civil, Sidney Leite.
"Em janeiro deste ano também ocorreu a apreensão de um celular na posse de uma liderança de uma facção criminosa e a partir da análise do conteúdo desse celular apreendido na posse da liderança, bem como do conteúdo do celular da nutricionista e desse outro preso, as investigações se iniciaram e verificou-se a existência de uma série de esquemas envolvendo o estabelecimento prisional", detalhou o delegado da PF, Davi Sobral.
O Relatório de Análise de Material Apreendido, portanto, constatou a estrutura para a prática de crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico, corrupção passiva e ativa e falsidade ideológica dentro e fora do presídio.
Atestados falsos
A partir dos diálogos nos celulares, a polícia também constatou a existência de um esquema para conseguir prisão domiciliar para presos do regime fechado com atestados médicos falsos, sob a justificativa de que no presídio não havia o tratamento de saúde adequado para a doença forjada pelos envolvidos, é o que detalha o promotor de Justiça, Rodrigo Assis.
"Os indícios apontam que haviam agentes públicos dentro do Iapen, que recebendo suborno, recebendo dinheiro, ajudavam para fraudar laudos médicos, a fim de que esses presos pudessem sair da cadeia em função de uma doença que não existia e assim fugirem do cumprimento da pena. Observou-se ainda que dentre os investigados, haviam agentes de segurança pública que ajudavam junto a esses presos no prestígio deles e prometendo favores quando esses presos saíssem, tanto falando com autoridades, tanto ajudando com carro, com casa, em fim, com diversas necessidades desses presos", disse o promotor .
De acordo com a promotora e coordenadora do Grupo de Atuação Especial para Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), Andréa Guedes, os indícios são de que o esquema era feito por três servidores do Iapen, com a participação de duas advogadas.
"Dessas advogadas, realmente é uma advogada constituída por faccionados que atuava junto ao processo, a outra agia como se fosse uma "lobista" do crime organizado. As duas atuavam em conjunto, nós temos indícios já de que elas agiam com servidores públicos para conseguirem benefícios a esses faccionados", detalhou a coordenadora do Gaeco.
Esquema da tornozeleira eletrônica
O promotor, Rodrigo Assis, deu mais detalhes sobre como os esquemas envolvendo laudos médicos e tornozeleiras eletrônicas supostamente funcionavam.
"Os indícios apontam, repito, ainda não há provas, está sendo investigado, que esses advogado ajudavam principalmente em dois esquemas dos laudos médicos fraudulentos e no esquema da tornozeleira eletrônica", disse
"Depois que esse presos conseguiam a liberação para ficarem em prisão domiciliar, o juiz determinava que eles ficassem com a tornozeleira eletrônica. Quando eles chegavam para colocar a tornozeleira, os advogados que estão sendo investigados, segundo os indícios e junto com outros agentes públicos, atestavam que não haviam tornozeleiras eletrônicas, quando em princípio havia. Além de irem pra casa, sequer eram monitorados", completou.
Queda da Bastilha
Na última quarta-feira (14), a força tarefa saiu para dar cumprimento a oito mandados de prisão preventiva e 1 domiciliar. Os policiais precisaram cumprir ainda 22 mandados de busca e apreensão, em residências de investigados, escritórios de advocacia e dentro do próprio Iapen, sendo 4 em celas de internos e dois em salas de servidores do presídio.
Durante um dos cumprimentos, na Zona Norte de Macapá, três suspeitos que estavam em uma casa reagiram à abordagem e atiraram contra a polícia, dois deles morreram. Segundo a polícia militar, que deu apoio a ação, o terceiro homem conseguiu fugir.
O principal alvo da operação era o delegado Sidney Leite, que era titular da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes da Polícia Civil do Amapá e que estava licenciado do cargo para concorrer a uma vaga de deputado estadual nas eleições de 2022 pelo PTB.
Em conversas interceptadas pela polícia, Sidney Leite aparece conversando sobre um carro blindado, e sugere até a própria casa para abrigar "Tio Chico” quando ele saísse do presídio.
Em um outro diálogo, o delegado e Tio Chico falam sobre como intermediar a liberdade de um comparsa. A conversa sugere o pagamento de 30 mil reais por essa intermediação.
"Nós conseguimos visualizar que havia uma relação entre ambos, delegado e o líder dessa facção. Uma relação que extrapolava de um mero informante dessa autoridade policial e isso nos causou muita estranheza, porque essa autoridade policial chegou até mesmo a oferecer a própria casa dele para que esse líder ficasse, no caso de sair mediante esse laudo forjado por essa doença fictícia dele", disse a coordenadora do Gaeco, Andréa Guedes.
Outro mandado de prisão preventiva foi cumprido no Instituto de Administração Penitenciária do Amapá contra Rafael Mendonça Góes, que cumpria pena no regime fechado há dez anos. Na tarde do mesmo dia, Rafael foi encontrado morto pelos agentes penais durante o "banho de sol" .
O que chama a atenção é que a morte ocorreu minutos antes de uma audiência do detento, que ia ser ouvido sobre a primeira fase da operação.
De acordo com o laudo da Polícia Científica do Amapá, Rafael foi morto por esganadura. A Polícia Civil do Amapá investiga o homicídio como "queima de arquivo".
“Ao que tudo indica, leva a entender que ele tenha falado algo que tenha desagradado os caras. O apontar da forma como se trabalhava lá dentro, detalhes da organização criminosa, que desagradou os detentos e deram a ordem sim para matarem ele. Tudo está caminhando nesse sentido", disse o delegado Wellington Ferraz, responsável pela investigação.
Desdobramento
A investigação chegou aos supostos esquemas a partir da prisão de uma nutricionista em fevereiro. Na época, ela foi flagrada por câmeras de segurança facilitando a entrada de drogas, armas e munições, além de celulares no presídio. Ela era funcionária de uma empresa terceirizada que fornecia alimentação aos presos.
A PF citou que após a prisão foram identificados no presídio diversos tipos de fraudes e crimes com envolvimento do grupo que a nutricionista integrava: fornecimento de alimentação diferenciada para alguns internos mediante remuneração; entrada de celulares e drogas; fornecimento de atestado médico falso para concessão de prisão domiciliar ilegal; e irregularidades no uso de tornozeleira eletrônica.
Delegado preso
Preso nesta quarta-feira, Sidney Leite era delegado titular da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes
Polícia Civil/Reprodução
O delegado Sidney Leite, que era titular da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (DTE) e estava licenciado para concorrer nas Eleições 2022, teria oferecido um carro blindado e a própria casa para o chefe de uma facção do Amapá.
O esquema foi registrado em mensagens trocadas entre o delegado e o preso. As mensagens foram anexadas na denúncia do Ministério Público do Amapá.
Segundo a denúncia do MP, Leite teria intermediado a locação de um veículo blindado para que o preso utilizasse quando saísse da penitenciária, por meio do esquema de concessão do regime de prisão domiciliar.
Detento assassinado após operação
Rafael Mendonça Góes morreu dentro do Iapen horas após ser preso na operação 'Queda da Bastilha", no Amapá
Reprodução/Internet
Rafael Mendonça Góes, de 33 anos, foi achado morto dentro do cadeião do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen) horas após ter mandado de prisão preventiva cumprido na operação "Queda da Bastilha", da Polícia Federal e momentos antes de passar por audiência de custódia.
A Polícia Científica do Amapá(Politec) confirmou que o detento foi morto por esganadura. A Polícia Civil do Amapá investiga como homicídio por "queima de arquivo" a morte de Rafael. Ele era investigado de participar de vários esquemas ilícitos que funcionavam dentro e fora do presídio.
Audiência de custódia
Após audiência de custódia, a Justiça do Amapá decidiu manter presos os 8 investigados. A Juiza Thina Luiza Dalmeida Gomes dos Santos Sousa decidiu por manter os presos provisoriamente separados em celas para preservar a vida deles e solicitou que 7 fossem enviados ao Centro de Custódia do Novo Horizonte e um permanecesse em prisão domiciliar.
Sobre a prisão do delegado Sidney Leite, a Polícia Civil do Amapá havia pedido que ele fosse encaminhado à sede da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (CORE), no Ciosp da Zona Oeste, para o cumprimento da decisão judicial, mas a juíza decidiu que ele fosse encaminhado diretamente ao Centro de Custódia do Novo Horizonte
Esquemas
Gerente de cozinha e detento foram presos em fevereiro por entrada de 11 quilos de drogas, arma e 48 celulares
Polícia Penal/Divulgação
Na nota descrevendo a operação, a PF elencou os 4 supostos esquemas:
Alimentação especial e entrada de drogas/armas/munições no presídio: tinha ligação com internos que trabalhavam na cozinha do Iapen, que vendiam nas celas a “marmita da liberdade”. O transporte era proibido. A polícia acredita que alguns produtos eram levados por advogados e havia facilitação por parte dos policiais penais.
Entrada de celulares no Iapen: aparelhos eram escondidos por servidores numa "bomba d'água" do presídio, onde alguns presos tinham acesso. Os que não acessavam a área, poderiam alugar telefones pagando R$ 100 por dia.
Atestados falsificados: a intenção era conseguir a prisão domiciliar de detentos do regime fechado, que eram falsamente comprovados com doenças graves, inclusive da área psiquiátrica. Para isso eram apresentados documentos falsos e descrição de que no presídio não tinham tratamento médico adequado. A polícia acredita que havia pagamento de propinas a policiais penais (com uso de "laranjas") com intermediações feitas por advogados. Os pagamentos variavam dependendo das condições financeiras do preso, a pena, e o "poder" dele no presídio. Em um dos casos houve pagamento de R$ 150 mil, segundo a PF.
Tornozeleiras eletrônicas: o esquema era pagamento de R$ 2 mil para que detentos em regime domiciliar ou em liberdade provisória fossem liberados sem o equipamento de monitoramento.
A operação é resultado de um trabalho conjunto da PF com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/AP) do Ministério Público Estadual, e ainda com apoio da Força Tarefa de Segurança Pública (FTSP) e equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Força Tática, 6º Batalhão da Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
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Fonte: https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2022/09/19/pf-e-mp-detalham-investigacao-no-iapen-laudos-medicos-fraudulentos-e-esquema-da-tornozeleira-eletronica.ghtml