Reportagem do jornal Estado de São Paulo revela que foram 8 tentativas do governo para liberar as peças, avaliadas em R$ 16,5 milhões. MPF recebe documentos sobre entrada ilegal de joias trazidas pelo governo Bolsonaro
O Ministério Público Federal recebeu imagens e documentos da Receita sobre as joias avaliadas R$ 16,5 milhões que o governo Bolsonaro tentou trazer de forma irregular para o Brasil.
A Secretaria da Receita Federal enviou, nesta sexta-feira (3), a primeira leva de documentos e vídeos ao Ministério Público Federal em Guarulhos, onde fica o aeroporto internacional, na Região Metropolitana de São Paulo.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que a Polícia Federal vai abrir inquérito na segunda-feira (6), e que os fatos podem configurar crimes de descaminho, peculato, lavagem de dinheiro.
Em nova reportagem publicada neste sábado (4), o jornal Estado de São Paulo diz que as joias de diamantes do ex-presidente Jair Bolsonaro e da primeira-dama Michelle, apreendidas no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, estavam prestes a ser incluídas em um leilão da Receita Federal após a tentativa frustrada do ex-presidente de recuperar os itens.
Segundo a apuração, o colar, os brincos, o anel e o relógio, no valor de 3 milhões de euros, o equivalente a R$ 16,5 milhões, depois de passarem mais de um ano em poder da alfândega, seriam oferecidos em leilão de itens apreendidos pela Receita por sonegação de impostos. Mas de acordo com o jornal, a decisão foi suspensa, porque as joias passaram a ser enquadradas como prova de crime.
A reportagem diz ainda que, como nenhuma tentativa de retirar as joias teve êxito, no dia 23 de fevereiro do ano passado, a Receita Federal emitiu um auto de infração e declarou a “pena de perdimento aos bens por abandono” devido à falta de manifestação. Porém, o “abandono” foi sacramentado em 25 de julho do ano passado.
Segundo o jornal Estado de São Paulo, que revelou o caso, a apreensão foi no dia 26 de outubro de 2021, numa fiscalização de praxe de passageiros que desembarcaram nos terminais de Guarulhos, vindos da Arábia Saudita.
Depois de analisar as malas no raio-x, os agentes da Receita decidiram fiscalizar a bagagem de Marcos André dos Santos Soeiro, assessor do então ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque.
De acordo com a reportagem, os fiscais se depararam com a escultura de um cavalo de aproximadamente 30 centímetros, dourada, com as patas quebradas. Dentro dela, havia um estojo com as joias trazidas para Michelle Bolsonaro, acompanhadas de um certificado de autenticidade.
Houve oito tentativas de recuperar as joias apreendidas, segundo a apuração, envolvendo o ministérios de Minas e Enegia e Itamarty, Planalto e Receita, mas os servidores da Receita resistiram.
Ainda de acordo com a reportagem, no dia 28 de dezembro de 2022, mais de um ano após a viagem, o então presidente Bolsonaro enviou um ofício ao gabinete da Receita Federal para solicitar que os bens fossem destinados à Presidência da República.
Em 29 de dezembro, um funcionário do governo, identificado apenas como “Jairo”, teria pegado um avião da Força Aérea Brasileira e desembarcado no Aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias.
No Portal da Transparência, há registro de uma viagem a serviço, classificada como "urgente", no período de 29 a 30 de dezembro de 2022. Pedido feito pelo tenente coronel do Exército, Mauro Cesar Barbosa Cid, então chefe da ajudância de ordens do presidente da República, ao servidor Jairo Moreira da Silva, sargento da Marinha. A viagem de Brasília para Guarulhos em voo da FAB no dia 29 de dezembro, para atender demandas do senhor presidente da República naquela cidade, com retorno a Brasília em voo comercial.
As joias foram trazidas ao Brasil pela comitiva do então ministro Bento Albuquerque. Ele representou o ex-presidente Jair Bolsonaro, que não viajou à Arábia Saudita. A ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também não foi.
Em uma foto, enviada à TV Globo pelo próprio Bento Albuquerque, ele aparece segurando uma escultura ao lado do ministro de Energia da Arábia Saudita. Sobre as joias, Bento Albuquerque deu três versões para a história.
Ao jornal o Estado de São Paulo, ele disse que não sabia o que estava dentro da mochila e que quando viu o conteúdo, afirmou que as joias deveriam ser para primeira-dama;
Ao jornal O Globo, Bento disse que as joias foram devidamente incorporadas ao Acervo Brasileiro;
E em entrevista ao repórter Nilson Klava, da GloboNews, Bento Albuquerque disse que o presente era para o Estado brasileiro e que Bolsonaro e Michelle não sabiam das joias. O ex-ministro enviou um recibo que seria dos presentes destinados a Bolsonaro, mas o documento, com data de 29 de novembro de 2022, não inclui as peças de diamantes. Pela foto enviada, há apenas objetos masculinos.
“Ele foi tratado como um presente de Estado. Inclusive, isso foi dito no momento lá para a Receita Federal. Primeiro que nós desconhecíamos o que que era o presente. Mas quando essa caixa, que estava selada, foi aberta, se verificou que tinha joias. Foi dito isso. Isso era o presidente de Estado e seria encaminhado à Presidência da República, como é praxe. E isso foi feito com outro presente que estava em outra bagagem, que já tinha saído e foi encaminhado. Tudo isso de acordo com as orientações da Receita Federal”, declarou Bento Albuquerque ao jornalista da GloboNews Nilson Klava.
Uma das tentativas de reaver as joias foi feita em novembro de 2021. O gabinete pessoal do presidente da República enviou um ofício ao Ministério de Minas e Energia alegando que os objetos seriam "presentes recebidos pelo senhor ministro de Estado e enquadram-se na condição de encaminhamento para análise quanto à incorporação ao acervo privado do presidente ou acervo público da Presidência".
O Ministério de Minas e Energia então aciona a Receita Federal, diz que o ministro, enquanto representante de Bolsonaro, não poderia ter recusado ou devolvido o presente imediatamente, e que "faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado".
A lei deternima que presentes recebidos pelo presidente da República de outros chefes de Estados são declarados de interesse público e compõem o Patrimônio Cultural Brasileiro.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, publicou, ainda nesta sexta (3), fotos numa rede social dos objetos apreendidos: a escultura de um cavalo com as patas quebradas e brincos de diamantes, além de um enfeite dourado. Pimenta também divulgou o que seria o laudo de apreensão da Receita no Aeroporto de Guarulhos.
Neste sábado (4), no Rio, em evento com governadores, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, elogiou a firmeza dos fiscais da Receita e pediu punição pros envolvidos.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad a quem a Receita Federal é subordinada, disse que chamam atenção as várias tentativas de apropriação ilegal das joias. Segundo Haddad, os fiscais indicaram à comitiva o caminho legal para o registro do presente como patrimônio do Estado.
Pela lei, o governo pode receber presentes de outros países. Mas, para bens pessoais, tem que recolher imposto de importação. Como as joias não foram declaradas na chegada, também seria aplicada uma multa. Se as joias valessem R$ 16,5 milhões, seria necessário pagar praticamente o mesmo valor para retirá-las da Receita.
Em rede social, Michelle Bolsonaro reagiu com ironia, criticou a imprensa e negou ser a dona das joias. Ela perguntou: “Quer dizer que tenho tudo isso e não estava sabendo?”, e escreveu que falta cabimento na reportagem.
Alguns aliados do ex-presidente saíram em defesa dele. Também nas redes sociais, houve críticas e cobranças de parlamentares.
O que dizem os citados
À CNN, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse: “Estou sendo acusado de um presente que eu não pedi, nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade”.
Bento Albuquerque divulgou uma nova nota. Ele reafirmou que o Ministério de Minas e Energia encaminhou solicitação para que o acervo recebido tivesse o seu adequado destino legal. E que a Receita Federal foi informada durante o desembarque da comitiva da procedência dos itens, sem nenhuma tentativa de induzir, influenciar ou interferir nas ações adotadas.
O Jornal Nacional não conseguiu contato com o Marcos André dos Santos Soeiro, com Jairo Moreira e com o tenente coronel Mauro Cesar Bbarbosa Cid.
A Receita Federal divulgou nota afirmando que todo cidadão brasileiro sujeita-se às mesmas leis e normas aduaneiras, independentemente de ocupar cargo ou função pública.
Que, na hipótese de agente público deixar de declarar um bem como pertencente ao Estado brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública e regularização da situação aduaneira.
Segundo a Receita, isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo. E nem pedido de incorporação ao patrimônio da União.
A Receita afirmou ainda que não havendo essa regularização, o bem é tratado como pertencente ao portador.
Que não havendo pagamento do tributo e multa, é aplicada a pena de perdimento, cabendo recursos.
No caso, o processo encerrou-se em julho de 2022.
Fonte: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/03/04/mpf-recebe-documentos-e-videos-sobre-entrada-ilegal-de-joias-trazidas-pelo-governo-bolsonaro.ghtml